domingo, 8 de novembro de 2009

Existência

Uma inquietante sensação de transbordamento. Sinto que sou menor do que aquilo que me habita. É como se todas as minhas próprias impressões me olhassem de fora, perpassando por mim. Como ter sob controle algo que não encontra limite em mim? Minhas sensações são longínquas. São, sobretudo, longitudinais. Começam em um ponto mais ou menos conhecido, mas, ao olhá-las, não vejo um fim. Prolongam-se infinitamente em um espaço que já nem é mais meu. Saem de meu corpo e tomam conta de um universo estranho, camuflado com algo que me é essencial, porque, na verdade, contêm algo que eu carrego internamente. Transmutação de esferas particulares e partilhadas. Entrelaçamento difuso. Ainda assim, tenho certeza que minha inquietude tem uma razão de ser que também está fora de mim, e fora desse algo mais de mim que também já está fora de mim. É uma divisão do que existe em mim e supramim. Porque também está no mundo buscando sua forma de existir.

domingo, 4 de outubro de 2009

Por não pararmos para pensar.

Dia chuvoso. Esta cidade não sabe viver dias chuvosos. Acho que nenhuma cidade grande sabe. Guarda-chuvas espalhados por toda a calçada. Mas nenhum cidadão disposto e apto a desviar o seu próprio guarda-chuva de qualquer outro. Andava entre essa multidão desviando o meu de um, de outro, abaixando para um terceiro, levantando para aquele moço gigante a minha frente, enfim, realizando milhares de malabarismos. Até que, pressionado pela pressa da cidade e enquanto eu desviava dos cidadãos e de seus respectivos guarda-chuvas imóveis a meu lado esquerdo, um homem quis cortar passagem pelo meu lado direito, onde não caberíamos os dois mais os nossos guarda-chuvas e nem uma nova manobra para eu desviar do próprio guarda-chuva dele. Por isso, e confesso que também por estar um pouco cansado de desviar o meu próprio guarda-chuva sempre, mantive o meu próprio guarda-chuva firme em minhas mãos o que ocasionou uma queda de água no moço a minha direita. Saiu puto e com razão, olhando feio pra trás e me xingando até a minha décima geração. Saí puto também, com razão também, “poxa sempre desvio, estava desviando do outro lado e aí vem um passando pelo outro lado querendo que eu desviasse também”... Finquei mão e fiquei encarando-o até ele sumir. E assim, vivemos nas cidades grandes, nos odiando enquanto podíamos nos tratar melhor uns aos outros. Bastava que todos nós cedêssemos um pouco, eu, você, ele. Mas não. O que fazemos, pelo contrário, é marcar posição. O que não nos leva a nada, só a uma maior incompreensão, minha, sua, dele.

Peço desculpas públicas hoje aqui, por mim, por você, por ele.

Pela metade.

Pedaços de palavras.
Metades de frases.
Parágrafos entrecortados.
Discursos divididos.
Incompreensão.

Releituras

Parece que tudo que leio me remete a uma vida que quis viver, mas não vivi. Viagens que evitei, beijos que não dei, abraços que perdi, risadas que esqueci de dar, momentos únicos que não fotografei e que se perderam no instante em que não lhes dei atenção e, clic, foram-se.

Tenho uma ansiedade tremenda de tornar essa vida sonhada em outra, real. Mas não sei se faz sentido buscar algo que já fez sentido em outro lugar. Que direito teria eu de tirar a Alice do seu país das Maravilhas só para dizer a ela que estou atrasada, estou atrasada, estou atrasada... De que adiantaria correr para Cabul se não dá mais tempo de evitar o que já fizeram àquele menino, Hassan. E se eu fosse Amir, o que eu faria? Como atingir a redenção almejada? Todos os nossos atos são passíveis de redenção? Poderia eu viver um amor como o de Tereza e Tomás se Karenin não estivesse aqui?

Tenho medo. Tenho medo de morrer de repente, como algumas personagens morrem em muitos livros, sem a menor explicação e, pior, sem terem feito o que haviam programado para fazer.

Mas enfim, quem faz tudo que programou? Tudo aquilo que sonhou? Dizem que 10% ou menos do que sonhamos se realiza. Dizem não. Acabei de inventar essa estatística. E não sei se acredito nela, assim como não sei se acredito em estatística alguma.

Quem me fará crer?

Sigo lendo, relendo, lendo, relendo, lendo, relendo...

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

E se sesse?

Muitas e muitas vezes volto àquela cadeira. Estou sentada a sua frente, imóvel. Esperando as palavras que sei que não quero ouvir. Inerte na iminência de viver o que não planejei para nós. Sentindo escorrer pela minha face toda a esperança de que eu tivesse entendido tudo errado. Esperando que o seu silêncio dissesse outra coisa. Ou que pelo menos suas palavras contradissessem o seu silêncio de dias.

Por todas as vezes que ali volto em pensamento, desejo ter a força que não tive quando de corpo presente ali estive.

Será tarde para perguntar?

Segura a minha mão?

Caminho, passos largos, com estas dúvidas. E quando vejo, já estou sentada novamente naquela cadeira.

Sobre vida.

Meus sapatos estão enlameados. Trazem as marcas do último caminho que trilhei. Um caminhar difícil, entre o prosseguir e o afundar. Cada passo, uma decisão. O andar dificultado por troncos, restos de animais, plantas e pela própria lama. A cabeça, buscando escapar de todos esses obstáculos, dava forças para o corpo seguir adiante. Ir ou desistir. Dúvida que dilacerou meu peito durante toda a travessia. E agora, ao chegar ao destino final, o alívio e o peso da sobrevivência.

domingo, 23 de agosto de 2009

Lunar

Luar,
Hoje, meia lua.

Luar,
Hoje, breve eclipse.

Luar,
Hoje, lua inteira.

Luar,
Hoje não, elipse.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

EM TERMOS, EU

A porta entreaberta.
A escada iluminada até a metade.
Um vulto.
Metade: desconfio quem seja.
A outra: desconheço.
Um espelho com um corte ao meio.
Aproximo-me dele à meia luz.
Um espelho quebrado.
Uma imagem desfocada.
Ali, as duas sombras saem de mim.

domingo, 12 de julho de 2009

Perfume

Perfumosa,
Rosa.
Sinto seu perfume por alguns minutos,
Mas, logo a seguir, você o recolhe.
E ainda acha graça.

Vagarosa
Rosa.
Você demora.
No aparecer e no desaparecer.
E eu tardo também, caminhando pelos roserais.

A procura de eternizar seu perfume em mim.

domingo, 28 de junho de 2009

Escorregadio

Difuso.

Tudo ficou pra depois de amanhã.

Conserta o seu relógio.

Volta os ponteiros.

Enrola o tempo de não nós.

Bússola equivocada.

Errou a direção.

Aqui do alto é difícil não temer a queda.

O chão parece longe, mas é logo ali.

Para isso, é só cair.

E para cair, basta um segundo.

sábado, 27 de junho de 2009

Gica

Um lado.

Um mar.

Distâncias infinitas.

Outro lado.

Mas está aqui dentro.

Ainda ouço suas gargalhadas.

Sua amizade navega meu coração.

Dentro.

Muito além-mar.

terça-feira, 19 de maio de 2009

AFASTAMENTO

Sempre fugi de tudo.
Primeiro, fugi das coisas.
Depois, fugi da escola.
Veio então a minha fuga das palavras.
A fuga do que conhecia.
A fuga do mistério.
A fuga do amor.
E então, fugi das pessoas, todas.

Foi quando eu achei que já não poderia fugir mais de nada e de ninguém.
Que comecei a fugir de mim mesma.

Travas

Entraves.
Obstáculos.
Impecilhos.
Armadilhas.
No meio do caminho:
O não saber.

Ei, você:
Destrave, por favor!

terça-feira, 28 de abril de 2009

Destino ação.

Distraidamente, sigo pela estrada recolhendo partes de um quebra-cabeça.
São pecinhas miudinhas, e num primeiro momento não consigo identificar quantas s(er)ão...
Algumas parecem tristes, outras alegres, outras confusas, mais algumas inconstantes...
Enfim, são muitas e diversas, mas vão se compondo em um todo que não me é totalmente inteligível.
Mas que também não me é estranho por completo.
Dizem respeito ao que fui e, portanto, ao que sou.
Mudo a estrada e outras pecinhas se recompõem a minha volta.
Enquanto não as toco elas ainda são mutáveis.
Quando as alcanço elas passam a ser os traços de meu caminho trilhado.
São aquilo que fiz.
Resultados de minhas escolhas.
São minhas grandes descobertas por um caminho de múltiplas possibilidades encobertas.
Refletem a construção de um processo contínuo até o último suspiro.
Este advindo da última pecinha encontrada. Até esta, sigo colhendo nesse jardim instável, uma a uma, cada pecinha.

segunda-feira, 23 de março de 2009

RENÚNCIA.

Desamparo.
Desassossego.
Restos do que fomos.

Por mais que eu fuja disso.
Sempre que te encontro.
O final é abandono.

Sempre se troca aquilo que se pode.
Nunca o que é essencial.

Destroços daquilo que não se acaba.
Mas que também não permitimos que exista.

FINAL PREVISTO.

Repetidamente:
Não compreendo.
Não entendo.
Não me conformo.

Mas, logo a seguir, ele me toma de novo.
O desconsolo.
O desabrigo.
O abandono.

De A a Z

Entrave:
Olho pra trás e vejo você.
Olho pra frente e você também está lá.
No tempo de agora, olho pra dentro de mim e adivinhe o que vejo?
(V ^).

RECRIAR

REENCONTRO.
REINTEGRO.
REINVENTO.
RECOMEÇO.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Novo de novo.

Recomeço.
Ponho novamente os pés na estrada.
Outra trilha a desbravar.
Enveredo por um novo caminho.
Que me leva ao eterno recomeço.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Fronteiriça

Minha intensa busca por mim mesma. Entro pela minha própria fechadura, mas, dela, não saio, nem entro. Fico presa ali dentro. É como se eu morasse em meu próprio umbigo. Perdida em um labirinto construído de minhas próprias desentranhas. Porque nem às minhas entranhas eu chego. Estou como que na beirada do trampolim. Na iminência do salto. Mas não pulo. Apesar da disposição para me jogar lá dentro, temo nunca mais sair. Receio não saber como voltar. E, no entanto, já não sei voltar. Mas também não sei ir. Não sei zarpar. Fico na linha amarela ante ao meu próprio trem.

E assim: o silêncio.

Intrigante.
O silêncio.
A iminência da fala.
E, então, a não fala.
O momento em que se opta por não dizer.
Frações de segundo.
Resultando em nenhuma oralidade.
A linguagem e seus subterfúgios.
Recados não dados; porém, dados.
O prenúncio de uma mensagem aberta.
Escondida, embora evidenciada, na escolha por ele.
O silêncio.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Reco-reco

Reverbero.
Repercuto.
Reintegro.
Reapareço.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

RG

Naquela ficha eu tinha que inserir um dado que indicasse meu local de trabalho. Sem aquilo eu não poderia continuar o cadastro. Sem aquele campo eu não seria ninguém. Seria como se eu passasse pela rua, em meio a uma multidão de pessoas e ninguém me visse. Ninguém me considerasse. Ninguém me tratasse como um ser igual. Aliás, no caso específico eu seria o ninguém. E não os outros. Os outros teriam nomes, sobrenomes e profissão. Eu não. Eu seria um ninguém desabrigado de mundos, de histórias, de desejos, de sonhos. Quer dizer, de sonhos não. Teria um sonho obrigatório: o de um emprego. Não o de algo que me realizasse como ser que, afinal, não era. Mas que honrasse meu nome no trabalho. Em algum escritório, empresa, repartição, rua, no que fosse, mas que tivesse horas dedicadas a tarefas cotidianamente repetidas para eu conseguir o dinheiro que me garantisse o pão. Caso contrário, seria eternamente um troço qualquer a ser observado com a piedade alheia que nunca é tão piedosa assim quando não se remete a si própria. Mas no momento em questão, eu não tinha o que preencher naquele campo. Rasguei a folha, joguei-a no lixo, e caminhei pela rua. O estranho é que no meu caminho de volta ninguém esbarrou mesmo em mim.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sub-tilezas.

Os dias passam e eu já não me reconheço. Tenho um buraco no lugar onde um dia já fui eu. As escadas que subo parecem mais longas. Na verdade, elas parecem não ter fim. Arde em mim um desejo de buscar a mim mesma, de saber aonde devo ir para isso, mas minhas pernas andam a esmo. Não há direção possível. E todas as direções possíveis resistem. Minhas contradições me agridem e me libertam ao mesmo tempo. A minha culpa estrangula o meu desejo de voar. O meu cansaço transborda da minha falta de ilusões. E minhas pernas continuam desembestadas rumo ao nada. Visto máscaras que não me preenchem. Mas que, ao menos, me apresentam ao mundo. De resto, gosto do meu quarto. Gosto de minha reclusão. No entanto, chega uma hora em preciso sair. E para onde mesmo? Não sei de respostas. Quando as recebo, nunca as entendo. Gostaria de decifrar ao menos uma. Só para poder embaralhar ela mesma, novamente, dentro de mim. Para que ela se transformasse, depois, em mais uma pergunta não respondida. Queria encher minha mão de sonhos outra vez. Mesmo que eles sempre escorram dela, por entre cada um de meus dedos. Sigo outra vez as minhas incertezas.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

XXXXXXXX

- Xiii! Minha inspiração caiu!


- Ali, pega, pega, pega!!


- Xiii, sumiu...